A FESTA
A Festa da Padroeira, Santa Anna, era o grande acontecimento em toda a redondeza! Gente das fazendas, lugarejos e cidades vizinhas se reunia naquele fim de semana mágico, de fitas coloridas, sanfonas e violas, barraquinhas de sapê, moças de vestidos de chita guardados para a ocasião, raparigas roliças dos campos invejando as magras das cidades, rapazes com força de natureza passeando os olhos brilhando de cachaça e de desejo por entre curvas que não eram da estrada, cheiro forte de gordura anunciando pastéis, galinhas assadas, cheiro de doces, cheiro de gente, cheiro de pecado. Tudo muito religioso...
No alto da colina, a capela guardava a Santa e os lamentos das beatas. No pavilhão, o leiloeiro dava-lhe uma, dava-lhe duas, dava-lhe três e pronto: a leitoa assada corria por cima das muitas cabeças que inchavam o local e ia parar nas mãos do sorridente arrematador.
A barraquinha de jogo, concorrida sempre, vendia ilusões de um pouco mais de dinheiro para bolsos geralmente vazios. Os velhos contavam estórias e histórias. Os jovens, ah... os jovens, escapavam dos muitos olhares e iam animar a noite dos sapos e das corujas escandalizadas.
Eu, menino, me encantava com as cores, os barulhos e cheiros. E ia dormir bem tarde nos lençóis branquinhos, com perfume de gavetas de minha Avó. Para sonhar com a bola colorida que não pudera arrematar no leilão. Sono agitado pelos pecados dos jovens, pelos barulhos, pelos cheiros, pelas cores... Sonhos de festa, enquanto o rio, ao largo, passava resmungando...
FAMÍLIA
Na Fazenda moravam três tios: José, Joaquim e Osvaldo. Os dois primeiros, malucos; o terceiro, casado. Malucos mansos, é verdade.
De Tio Zezinho, dizia-se ter enlouquecido de tanto estudar, o que me servia como desculpa para minhas mazelas escolares. Era alto, teria sido até bonito, quando mais jovem. Estava em todos os lugares e vivia com um sorriso misterioso nos lábios, um brilho sereno nos olhos, sem nunca dizer nada. Sua loucura irradiava uma paz que me incomodava porque não entendia. Mistério. Gostava dele. Era menino, como eu.
Tio Quinquim, desse eu tinha medo. Pois, ao contrário de Tio Zezinho, era esquivo, zangado e não me permitia, às vezes, chegar até os pés de fruta-de-conde. Nunca fez mal a ninguém mas que assustava as crianças, lá isso assustava.
Tio Osvaldo tinha uma bela Família e uma das filhas, Vera, me impressionava pelos olhos arteiros, pela cor de barro-moreno, pelo sorriso de leite, pelos cabelos que, soltos ao vento, me faziam lembrar das correntezas do Paraíba: fartos, cheios de vida, negros!