CARMA E LIVRE-ARBÍTRIO

Do sânscrito "Karman", carma designa a correlação de causa e efeito no destino da alma: o que fazemos hoje terá conseqüências em nossas vidas, mais cedo ou mais tarde, nesta ou em próxima reencarnação.

A idéia do livre-arbítrio, por sua vez, traduz a crença de que o Criador atribui-nos o direito de decidir sobre nossas ações no dia a dia. Entre os persas, Zaratustra ensinou que Deus (Ahura Mazda) criara Ahriman, o espírito do Mal para, com seu oposto Ohrmazd, o espírito do Bem, permitir aos homens escolher entre um e outro. No Ocidente, o Mal é personificado por Lúcifer, outrora anjo do Bem que se rebelara contra o Criador.

Assim, entendem uns, se somos felizes ou não é porque certamente fizemos por merecer a graça ou a desdita, ao agir desta ou daquela maneira, à nossa escolha. Acontece que, na maioria das vezes, o mal que nos atinge tem origem clara e conhecida: as ações de outras pessoas. Dessa forma, tentam explicar alguns, se somos hoje vítimas de alguém é porque, em alguma ocasião, fomos algozes daquela ou de outra pessoa. Ou seja, a criatura que agora nos faz mal estaria, em verdade, cumprindo um determinismo cármico e, sob certo olhar, fazendo-nos até o bem, dando-nos a chance de resgatar dívidas e aprender, com o sofrimento, a não causá-lo a outrem. E se nos fez o bem, não pode ter feito o mal, pois tais coisas se excluem. Ou não?

De qualquer modo, estaria criada a necessidade de existir alguém que fizesse o mal - aparente ou não - para que sua vítima passasse, pela dor, a merecer o bem. Independeria portanto, do livre arbítrio dos seres, cometer erros ou produzir acertos já que tais atitudes seriam conseqüência da premissa maior sobre a qual não teriam tido poder de mando, este atribuição do Criador.

Posto assim, a concepção de "carma" excluiria a possibilidade da existência do livre-arbítrio. Intrigante, no entanto, a idéia de que, sem que existisse o direito de errar, de onde resultaria o dever de pagar pelo erro? Ou seja, o exercício do livre-arbítrio seria a origem do carma? Se não for, tanto o sofrimento quanto a felicidade seriam apenas cruéis ou benéficas manifestações da natureza animal, excluída até mesmo a interferência do Criador e, talvez, sua própria existência?

 

(Bangkok, Tailândia, 4.10.2000)

 

O HOMEM E O TÍTULO

Há homens que se julgam dignificados pelos cargos que ocupam. Esses, seus títulos os vestem mal, qual desajeitadas fantasias.

Há outros homens que dignificam as funções que exercem. Nesses, os títulos realçam as virtudes, os conhecimentos.

Daqueles, o orgulho e a vaidade afastam os homens de bem. Desses, a humildade sem falso sentido aproxima os homens que cultivam a correção de atos e o respeito aos bons princípios.

Uma estrela não é uma estrela porque se creia, se anuncie ou se proclame estrela. Uma estrela é uma estrela porque é uma estrela. E sua grandeza não será medida, certamente, pela própria crença no brilho que julgue possuir nem por tentativas inúteis em fazer com que os outros creiam que as demais estrelas brilham menos do que realmente brilhem.

Uma vela acesa na escura planície parecerá um luminoso astro e iludirá incautos e apressados juízes. Até que uma leve brisa sopre... Um verdadeiro astro não se apagaria. Também não é fácil iludir um cuidadoso juiz.

Há homens, com seus cargos e títulos, que parecem estrelas porque se crêem estrelas, se anunciam estrelas, se proclamam estrelas. E falam de suas grandezas inexistentes com a certeza dos loucos. Mas não são estrelas. Frente à mais leve brisa da adversidade vacilam, trêmulos. Ante olhar cuidadoso, revelam o que realmente são: pequeninas velas na planície escura.

A estrela e o Homem não precisam de títulos de grandeza. Esses é que se justificam nas verdadeiras estrelas, nos verdadeiros Homens, para quem a Honra e o próprio nome são os títulos maiores.

 

(Bangkok, Tailândia, 1.2.1989)