MON AMI
Mon Ami nasceu em dezembro de 1988, em Bangkok, na Tailândia. Adotou-me, meses depois, como seu Amigo. Em 1992 levei-o para nossa casa, em Valença-RJ, no Brasil, onde viveu até 2001.
Foi uma das criaturas mais extraordinárias que conheci nesta Vida. Ensinou-me, acima de tudo, o valor da Lealdade, a nobreza de Caráter, a imensa doçura da Amizade. Enriqueceu-me, tornou-me melhor. Foi também grande companheiro e Amigo de meu Filho, então menino.
Passamos juntos inesquecíveis momentos, inúmeros. Em 1997, quando tive que deixar o Brasil novamente, a serviço, ficou em casa e lhe pedi que se cuidasse bem e de nosso Lar. Permanecia um ano fora do país e retornava, para as férias.
Familiares e Amigos me contavam sempre que, após cada despedida, ficava triste por uns dias e depois, conformado, seguia com a vida. Diziam também que, sempre que eu estava para chegar de viagem, dias antes, mudava seu comportamento e tornava-se muito mais alegre, pressentindo a alegria do reencontro.
Nos momentos de despedida, ao final de cada período de minhas férias, ia comigo até o portão. Eu o olhava nos olhos, bem de perto e, à cada vez repetia, baixinho, as mesmas palavras: "Cuide-se bem e de nossa casa. Voltarei logo, você sabe." Olhava-me, compenetrado e me assegurava, assim, que compreendia o que eu estava dizendo. Não latia nada. Dizia com os olhos.
Em nosso último encontro, em meados de 2001, apesar da avançada idade (equivalente a 91 anos dos homens), dedicou-me o carinho e atenção de sempre. Quando chegou a hora de minha partida, entretanto, comportou-se, pela primeira vez, de forma inusitada: ao invés do silêncio e compenetração habituais, latia aflito e sem parar, como querendo dizer-me algo muito importante que, naquele momento não compreendi.
Meses depois, ao receber em Barcelona a notícia de sua morte, dei-me conta de que ele - sabendo o que aconteceria em breve - quisera alertar-me, implorando, quem sabe, que eu ficasse ao seu lado.
No início da manhã de 27 de dezembro de 2001, deitou-se junto ao portão, como se esperando minha chegada, e deixou-se partir, pois era sua hora.
Seu corpo está enterrado sob a copa protetora da mangueira, em nossa casa. Seu túmulo, todo em mármore negro (como ele), tem uma parte branca no centro, a lembrar a mancha da mesma cor, que tinha no peito.
Cuide-se bem, Mon Ami, e de nossa casa. Um dia, nos veremos, novamente.
(Barcelona, 30.1.2005)
O TEMPO, A ÁGUA E O FOGO.
No início, há muitos anos, não podia compreender que era assim que as coisas aconteciam. Desde então, repetidas ocasiões me ensinaram uma da mais estranhas lições da Vida: o que às vezes nos parece mal, nos trazendo dor, sofrimento, angústia, revela-se, com o passar do tempo, na fonte mais pura de nossas alegrias!
O grande tesouro, em minha vida, é meu Filho. É ele a razão e origem de minha felicidade maior. No entanto, para que eu pudesse reencontrá-lo, foram necessários muitos anos de busca e tantos quantos momentos de perplexidade frente a acontecimentos que, enquanto pareciam trágicos obstáculos, não passavam de providenciais auxílios que me levaram ao caminho correto, que me permitiria, finalmente, achá-lo.
Assim é que, hoje, agradeço a pessoas que, por terem sido instrumentos do destino, cheguei a detestar, ignorando seu verdadeiro papel em minha vida. Pessoas que, quando tentaram fazer-me o mal, estavam, em verdade, ajudando-me a encontrar o Bem.
São realmente estranhos os desígnios das coisas que acontecem em nossas vidas. Somente o distanciamento no tempo nos permite ver, com clareza, o que aconteceu de fato, e não o que nos parecia acontecer, então. Afinal, no centro de uma fogueira, queimando e sofrendo, não se pode ter a serenidade necessária para compreender como surgiu o fogo, e como apagá-lo.
O Tempo, como as águas de um rio, sabe de onde veio e para onde vai. Nós, só descobrimos tais coisas depois que aprendemos a aceitar, a compreender que, enquanto somos levados pelas águas do Tempo, temos tempo para entender para onde somos levados, e por quê.
Para sermos capazes de ver, com olhos de Verdade, a Vida, temos que cerrar os olhos às aparências dos acontecimentos, ao que apenas parece acontecer. E, esperar. Até que as águas se acalmem, que o fogo se apague.
(Barcelona, 6.12.2004)