DOS AMIGOS E DOS ALIADOS.
Quem nasce desequilibrado, vive aos tropeções. A criação de Israel, em 1948, foi um parto mal preparado pelas potências da época, aborto histórico provocado pelas convulsões da segunda guerra mundial.
Apesar de atender aos anseios do povo judeu que reivindicava seu retorno à “terra prometida”, deixou de lado – como se pudesse ou devesse – a realidade local: a existência do povo palestino, muçulmano em sua maioria. Esqueceram-se de fundamental lei da Física, os apressados diplomatas de então.
As desgraças e os horrores conseqüentes não tardariam e guerras e combates maiores e menores tornaram-se moeda comum na região. Extremistas religiosos judeus e muçulmanos têm-se aproveitado, desde aquela época, para fomentar a violência que, por sua vez, lhes serve de argumento para suas causas malditas.
Vivi no Líbano de 1978 a 1984 e fui testemunha de inúmeras atrocidades cometidas naquele país, verdadeiro oásis de beleza e fartura no Oriente Médio, não só pelos atores dessa interminável desgraça, que é a guerra entre muçulmanos e judeus, mas também entre libaneses cristãos e muçulmanos.
O dever de um verdadeiro amigo é concordar sempre que possível mas também, discordar quando necessário. O apoio irrestrito dos Estados Unidos a Israel não tem servido à Paz. Serve às administrações de Tel Aviv, de regra manipuladas por minorias radicais, poderosas pelas características do regime eleitoral israelense. Tem também servido aos interesses estratégicos dos Estados Unidos na região. Para que Israel tenha seus direitos reconhecidos, terá que respeitar os direitos de seus vizinhos. Os governos estadunidenses têm sido apenas “aliados” de Israel. A política internacional é cínica, fria e calculista.
Por outro lado, a incapacidade não só dos ricos países muçulmanos, senhores do petróleo, como também do Irã e da Síria, de exercer influência moderadora junto aos extremistas defensores das causas palestina e libanesa, revela também a natureza ambígua de sua tão festejada “fraternidade”. Tampouco eles demonstram ser verdadeiros amigos dos palestinos ou dos libaneses.
Faltam verdadeiros líderes no mundo, que defendam a Paz, a Justiça, a Fraternidade. Enquanto for assim, seremos todos vítimas da violência.
(Barcelona, 16.7.2006)
O JOGO
Perdemos o jogo e, com ele, pelos próximos quatro anos, o sonho de conquistar o sexto campeonato mundial de futebol. As esperanças se transformaram em lágrimas nos olhos de muitos, em amargura nos corações de quase todos. E agora?
Um boboca jogador francês teria declarado, antes do jogo, que os brasileiros eram favoritos e bons de bola “porque não vão à escola”. Pior, para somar injúria à ofensa, ainda marcou o único gol da partida, definindo a vitória para os galos e a derrota dos canarinhos.
A declaração, de mau gosto e reveladora do já conhecido chauvinismo francês, é acima de tudo burra, imensamente burra e do tipo "os franceses são bons criadores de perfume porque fedem, já que não tomam banho".
Toda arte exige talento e dispensa explicações simplistas como a do excelente jogador, nem tão bem educado. Afinal, nada impede que um bom atleta seja também bom nos estudos ou que um criador de perfumes seja, além disso, bem educado e limpo. Por outro lado, a dedicação que um jogador precisa ter ao futebol exige muito de seu tempo. Isso explica, em muitos casos e em todos os países, porque muitos deles não conseguem trilhar, ao mesmo tempo, carreiras acadêmicas. No caso dos franceses, o tempo gasto em criar perfumes não explicaria a falta de vontade de tomar banho.
A seleção jogou mal? Sim, e muito. Alguns jogadores, visivelmente sem preparo, não deveriam ter sido escalados. Havia outros, melhores, sentados no banco de reservas. O técnico, cuja preferência pelo jogo defensivo e feio é conhecida, foi o principal responsável pela péssima atuação da equipe.
Não se aprende só com vitórias, na vida. Muito pelo contrário, são as derrotas que geralmente nos oferecem os melhores ensinamentos, quando desnudam nossas fragilidades.
Napoleão, no auge de sua brilhante carreira bélica, deparou-se com um bajulador que lhe pediu o segredo de suas vitórias, esperando quem sabe que a vaidade traísse Bonaparte e o fizesse entoar loas a si mesmo. Ledo engano, pois a resposta do grande estrategista revelou seu gênio: “O segredo das minhas vitórias é saber das fraquezas do meu exército.”
No jogo da vida, onde não são previstas prorrogações, o que importa é saber por que perdemos às vezes e evitar, assim, novas derrotas.
(Barcelona, 2.7.2006)