O TEMPO DO VELHO
O Tempo não mantém o mesmo ritmo ao longo da Vida, e costuma contrariar nossos hábitos. Quando somos jovens e apressados, ele segue lento; quando alcançamos a velhice e vamos devagar pelo caminho, corre como querendo chegar logo ao seu destino.
Felizmente, além dos cabelos brancos (ou da falta deles...) regala-nos às vezes com visão mais precisa do que realmente se deve ver, apreciar, conservar em nossos corações, e o que se deve ir deixando de lado, ao longo da jornada.
Por isso, apesar de sua passagem muito mais rápida, o Tempo do Velho revela tesouros insuspeitados ao seu passageiro, transformando em alegria e contentamento o que, para um jovem e descuidado espírito, pouco ou nada representaria.
Uma taça de bom vinho, por exemplo, não é apenas bebido, mas saboreado em sua cor, brilho, buquê, sabor; um sorriso inesperado nos olhos de uma pessoa desconhecida que passa e que talvez nunca mais se reencontre, deixa de ser somente corriqueiro gesto de cortesia para se converter numa fonte luminosa de reconfortante energia.
“A velhice é um estado de repouso e de liberdade no que respeita aos sentidos. Quando a violência das paixões se relaxa e seu ardor arrefece, ficamos libertos de uma multidão de furiosos tiranos”, escreveu Platão.
O direito à mansidão dos sentidos é, sem dúvida, a dádiva maior que o Tempo reserva ao Velho. Aceitá-la ou não, fica à escolha de quem vive.
No entardecer da Vida, não devemos buscar o calor da juventude já vivida, mas sim a suave brisa do Tempo, que nos reconforta e permite compreender os segredos da existência.
O Velho, afinal, é a criança, o jovem e o adulto que já viveram seus Tempos e que se transformaram, de crisálida afoita e plena de energia, na linda borboleta que voa leve nos jardins da Vida.
Todos os Tempos são belos e merecem ser vividos intensamente. Assim, quando chegar às portas da velhice, não tema: entre e viva feliz com a doçura da fruta que amadureceu, no remanso das águas livres de corredeiras.
(Rio de Janeiro, 22.1.2007)
CARTA DE BANGKOK
O DÉCIMO-TERCEIRO APÓSTOLO
Meus exemplos religiosos são três Franciscos: de Assis, Barreira e Xavier. O primeiro porque inspirou o segundo que, apesar de sacerdote católico, é um exemplar missionário cristão, um pastor para o Grande Rebanho, feito de todos nós, independente de crenças pessoais; o terceiro porque - apesar de pregador espírita - é companheiro do segundo, sua alma-gêmea, sem conhecê-lo.
Eli (Magalhães Toledo, proprietário do jornal O Porta Voz) cobrou-me um artigo, sugerindo-me falasse sobre um senhor chamado Francisco Alves Barreira, Padre Barreira, o segundo dos exemplos acima citados. É fácil falar dos bons e virtuosos sem cometer elogios levianos. Especialmente quando se trata de alguém que tem sido meu Pastor e Guia nos últimos vinte oito invernos, alguém que, nos meus onze anos, me tomou como afilhado de consagração à Maria Medianeira, Mãe de Jesus. Ainda mais fácil quando todos vocês, leitores deste jornal, conhecem o Homem de quem falo e respeitam, com justiça, seu nome.
O que faria um valenciano, vivendo em dez horas no futuro, tão grande a distância que o separa dos seus, sentar-se junto à máquina de escrever numa bonita noite tailandesa, para tecer algumas linhas sobre um velhinho feio, de ralos cabelos brancos, mãos ásperas de trabalho, sorriso de criança, olhos suaves e profundos como o céu das estrelas de maio? A gratidão e a certeza de que as palavras escritas manterão viva, por mais tempo, a homenagem que devo ao “meu Padrinho”, pois assim o trato.
Gratidão pelas luzes que acendeu em meu caminho, guiando-me pela Vida, pelos exemplos de Amor ao Próximo, Humildade, Trabalho, Perseverança. Alegria, Seriedade, Compreensão e Ternura que me ofertou, tantas vezes. Sim, eu me lembro de cada palavra quase de cada gesto, de cada momento compartido com o ser humano extraordinário que é, no oratório de minha alma, um dos meus Santos favoritos.
Seguindo os ensinamentos mais árduos de Jesus, deixou no nordeste brasileiro o calor de sua família humana e o conforto de seus bens materiais para vir pregar entre nós, sua família espiritual, a Palavra de Cristo. À mensagem do Mestre, juntou seu exemplo de apóstolo, o Décimo Terceiro. Só quem conheceu há trinta anos atrás, como eu, o Sítio da Divina Providência e o visita agora, sabe o que a Fé, a capacidade de trabalho e outras virtudes do nosso Padre Barreira foram capazes de fazer para remover montanhas de dificuldades e semear jardins, salas de aula, hortas e plantações em desertos de abandono e desamor, para alegrar o coração, iluminar a mente, agasalhar e alimentar o corpo de seu próximo.
PS. Perdoe-me, Padrinho, exaltá-lo assim por suas boas ações. Sou movido, como disse há pouco, pela gratidão e, apesar de sabê-lo avesso aos elogios e cumprimentos, tinha o dever de testemunha a Amizade, o Respeito e a Admiração que sinto por Você. Abençoe-me.
(Bangkok, Tailândia)
(O Porta Voz, Marquês de Valença, 30.3.1985)