Prelúdio de Saudade

Ontem, duas estrelas que rasgavam, paralelas, o céu do amor,

dois pássaros que se acarinhavam no sonho de um ninho,

duas vozes que se uniam num só grito,

dois passados que se uniam para um único futuro:

éramos nós, eu e você, amando.

 

Ontem, duas estradas, a encruzilhada, um só caminho,

duas folhas caídas num mesmo canto do jardim,

duas mãos que se encontravam e seguiam juntas,

dois riachos que faziam um grande rio:

éramos nós, eu e você, cantando.

 

Hoje, duas estrelas temerosas ante o infinito desconhecido,

dois pássaros que se apegam ao sonho de um ninho que pode acabar,

duas vozes, apenas murmúrios, estertores,

dois passados de um futuro incerto, indefinível:

somos nós, eu e você, calando.

 

Hoje, duas estradas, muitas encruzilhadas, tantos caminhos,

duas folhas que o vento do Destino quer separar,

duas mãos que se apertam, que não querem se deixar,

 um rio que se divide em dois pequenos riachos:

somos nós, eu e você, chorando.

 

Chorando porque se aproxima o adeus, num prelúdio de saudade.

 

(Marquês de Valença, 30.9.1968)

 

Nêga

Fomos amantes e sempre a chamei de "Nêga",

sem frescura, porque é negra mesmo.

Conheci achadas e perdidas mas, como Nêga, ninguém.

A grandeza de sua alma, a beleza de seus traços

e o saber do Amor todas as artes,

me fazem pensar que, como Irene, não vai precisar pedir licença,

há de abrir o Céu com um sorriso:

- Oi, Pedro Velho!

- Até que enfim você chegou, Nêga!

E todos os diabos chorarão de inveja...

 

(Dacca, Bangladesh, 31.8.1976)