VIRA-LATA
Meu coração é um cachorrinho vira-latas
que, ao menor carinho, em carinhos se desfaz.
Seus alimentos são as ilusões baratas
que a bondosa vida, diariamente, lhe traz.
Pobre Vira-Lata, não tem dono nem lar...
Quantas vezes a noite o cobriu com seu manto.
Quantas vezes, pela solidão a vagar,
teve que deitar-se num frio e ermo canto.
Lá vai ele, sozinho, pela rua afora.
A noite é tão triste e tão longa é sua existência
que, às vezes, ele hesita e uma lágrima chora.
Também as lágrimas são ilusões baratas
e fazem parte de sua sobrevivência.
Meu coração, um cachorrinho vira-latas...
(Marquês de Valença, 20.9.1969)
VIRA-LATA II
Meu cachorro é um coração vira-latas
que, tão amigo, conquistou-me inteiro.
Midas, doura as ocasiões baratas;
mendigo, é feliz sem um só dinheiro.
Por sabê-lo fiel seus olhos lendo,
dei-lhe o nome do melhor companheiro
e, visto que a amizade ia crescendo,
apelidei-o como a um cão rueiro.
Sempre que me vê corre esbaforido
e se atira em minhas pernas, latindo,
dizendo talvez que lhe sou querido.
Fingindo entender as coisas que digo,
compreende feliz o que estou sentindo.
E dorme aos meus pés, Vira-Lata, Amigo!
(Dacca, Bangladesh, 6.5.1976)