A ÉTICA DOS CORRUPTOS
Cada ser humano tem seu código de ética individual, assim como determinados grupos têm os seus.
A palavra é usada, de forma ligeira, como se fosse associada necessariamente ao Bem, o que não é correto. Afinal, as quadrilhas mafiosas também têm sua ética, seu código de conduta.
Alguém que defenda seu próprio código de comportamento precisa ser ao menos coerente, não pode falar e fazer coisas contraditórias, sob pena de revelar-se hipócrita.
Quando o Presidente da República, suspeito de conivência com atos criminosos dos dirigentes de seu partido político e de alguns de seus colaboradores mais próximos, afirma que “ninguém neste país pode ensinar-lhe ética”, está dizendo tolices. Afinal, a que “ética” se refere? Se é a “ética” da corrupção, é muito lamentável para o Povo brasileiro que o atual governo não tenha mesmo nada a aprender com governos anteriores. Pelo contrário, talvez.
Quando, em palanque para assistência sempre “arrumada” descuida-se e afirma que “o que o Povo quer mesmo é resultado”, inferindo que os fins justificam os meios, traz à lembrança dos mais velhos o vergonhoso axioma ademarista: “Roubo, mas faço!”, também adotado com muito entusiasmo pelo malufismo.
Quando insiste em passar por “coitadinho”, repetindo que “é filho de pais analfabetos”, consegue talvez que alguns desavisados sintam pena dele mas envergonha, com certeza, o cargo em que foi investido.
Quando repete a baboseira de que “as elites não conseguirão fazer com que ele abaixe a cabeça”, finge esquecer que são as elites financeiras as maiores beneficiadas pela política econômica de seu governo, o que indica a improbabilidade de que se interessem em sua queda. Além disso, instigar lutas de classes para se beneficiar com o caos resultante já era, já saiu de moda com o fim da União Soviética e sua marola “internacional”. Até mesmo o Joãozinho sabe disso.
Que ninguém acuse de "falta de ética" os principais envolvidos nos escândalos de corrupção no atual governo. Eles estão - até o momento - cumprindo rigorosamente os preceitos éticos da quadrilha que formaram. A prova disso é que combinaram uma só e vantajosa versão (para eles) a fim de explicar a roubalheira: os empréstimos conseguidos com o tal Marcos Valério seriam para a caixa dois do PT. Cantam a mesma musiquinha, ensaiada nos seus esconderijos e se protegem, uns aos outros, como costuma fazer qualquer "famiglia" que se preze, pois essa é a ética dos corruptos.
Por sua vez, o arremedo de oposição ao atual governo estaria tentando poupar a figura do Presidente por "amor à Pátria, em defesa da Nação". Que hipocrisia! Não ousam fazê-lo porque estão (muitos, talvez não todos) envolvidos nos mesmos crimes e, se a casa cair, cairá também sobre eles.
O Presidente deveria estar de cabeça baixa, envergonhado pelo que assessores dele, seu partido político e outros aliados acabam de fazer contra o País. Deveria também saber que quem pensa assim é a maioria do Povo brasileiro, entre os quais muitos de seus ex-eleitores, cada vez mais convencidos de que ele sabia e é também responsável – muito mais do que finge ser – pelo “mesadão”, “mensalão” e outras podridões.
(Barcelona, 23.7.2005)
MARQUÊS DE VALENÇA, O DEVER DE HERANÇA
Uma cidade é aquilo que a identifica: sua história, suas tradições, sua gente. Uma geração que descuida do patrimônio cultural de sua terra, comete crime inafiançável pois trai o passado e o futuro, ao mesmo tempo. Uma comunidade que não conheça suas origens - e não cuide delas - há de perder-se como uma árvore que descuide de suas raízes. Será maldita pois, seca, não trará frutos nem sombra. O filho que não deixar ao seu filho ao menos a herança de seu próprio pai, não terá sido bom pai nem bom filho.
Nossa Princesa da Serra vem sendo destruída, ultrajada, deformada, ofendida há muitas décadas. O gigantesco descaso e indiferença de seus próprios filhos, têm permitido a contínua desfiguração de nossa cidade, antes tão bela e acolhedora.
Nem mesmo as ruas escaparam à sanha e à vaidade de prefeitos, nem ao desamor de seus moradores: assim, a Rua do Imperador, evocando a História de nossa terra, ganhou o nome de um doutor que, provavelmente terá merecido ter seu nome batizando uma rua. Mas que se fizesse outra, convenhamos!
Os casarões antigos que IDENTIFICAM nossa cidade vão tombando, um a um, ante os interesses mais mesquinhos e passageiros. Um deles, não há muito, transformou-se em estacionamento de carros, em pleno centro da cidade, nas barbas do povo e autoridades!
Não seriam os monumentos públicos que escapariam. O maravilhoso chafariz da já centenária Praça D. Pedro II, o Jardim de Baixo, teve suas grades - ornamento indispensável à harmonia de suas linhas - arrancadas e, segundo informações, enfeitam agora propriedade particular! Teve também a área inferior destinada ao depósito de água pintada de AZUL-CHOQUE (!?), gosto certamente discutível e que desfigurou ainda mais aquele belo trabalho em pedra.
Recebo denúncias, finalmente, de que o material que existia no Museu da Fazenda de Esteves, acervo de valor inestimável para o futuro Museu Histórico de Marquês de Valença, foi "transferido" para outro município. Confirmada a notícia, terá sido mais um crime cometido contra a cidade e seu povo.
É mais que tempo de se criar o Museu Histórico de Valença, reunir tudo que está disperso, recuperar tudo que foi levado sem autorização e em flagrante desrespeito ao povo valenciano.
Cada um de nós vive, se vivemos uma longa vida, cerca de oitenta anos. Isto significa que todas as pessoas que trabalharam e colaboraram para a construção de obras como o Jardim de Baixo, já não vivem entre nós. Todas elas podem, entretanto, sentir orgulho por terem deixado sua contribuição para o futuro que viria a ser o nosso tempo, uma contribuição feita de Arte e Beleza. Sem dúvida, o que fizeram - para nosso uso - lhes terá custado sacrifícios e dinheiro. Isso significa também que há muita gente hoje entre nós que se esquece que destruir casarões antigos para possuir um estacionamente de carros ou uma casa de jogos, pode render algum lucro - umas trinta moedas de prata - por um período de até oitenta anos. mas não mais! E depois? Que restará? Uma árvore seca.
Se esses mesmos senhores se dessem conta de que poderiam ganhar muito mais dinheiro investindo no potencial turístico de Marquês de Valença, a exemplo de Vassouras e de tantos outras cidades no Brasil e no mundo, o terrível processo de destruição de nosso Patrimônio seria revertido. E estaríamos cumprindo assim, o dever de deixar aos nossos filhos ao menos a herança cultural de nossos pais.
(Bangkok, Tailândia, 22.5.1985)