Casam-se cartas, cores se casam, casam-se idéias, a velhice à juventude, objetivos de amigos e tanto mais, além de um homem e uma mulher. Casar significa combinar, aliar-se, adaptar-se, condizer, harmonizar-se, juntar, unir, associar-se, ligar, dizem os dicionários. O casamento não é nem nunca foi, portanto, exclusivo direito de dois seres humanos de sexos biológicos diferentes. Trata-se apenas, por definição e sentido, por opção ou fato, da união harmoniosa de duas ou mais pessoas ou coisas, intangíveis ou não. As conotações religiosas, diferentes entre si, respondem apenas pelo sentido religioso e não sócio-legal da palavra. Por sabedoria, em muitos países, se estabeleceu a separação entre  o Estado e a religião. 

A Espanha, seu governo e legisladores estão de parabéns, por terem transformado em lei o que sempre fora um direito: o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo. Enfrentaram minoria ruidosa mas com antigo poder e desfecharam golpe de morte no odioso preconceito contra os homossexuais. O Presidente do Governo espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero afirmou, antes da votação: “Trata-se de uma pequena mudança na letra que traz uma mudança imensa na vida de milhares de compatriotas. Não estamos legislando para gentes remotas e estranhas, mas ampliando as oportunidades de felicidade para nossos companheiros de trabalho, para nossos vizinhos, para nossos amigos, e estamos fazendo um país mais decente. Com a nova lei, não há agressão alguma ao matrimônio nem à família.” Junta-se a Espanha à Bélgica, Holanda e Canadá no reconhecimento do que é direito e justo. 

Os preconceituosos alegam, sem justiça ou razão, que o fato  “ameaça a família e anuncia a destruição do casamento” tal como eles entendem. Por mais que se tente buscar um fiapo de sentido em tais temores, não se consegue chegar à mesma conclusão. Afinal, por que a felicidade e a harmonia de um casal do mesmo sexo biológico iria “destruir” o matrimônio e a família de um outro, de sexos diferentes? A orientação sexual de uma pessoa não pode, nunca, ser um “problema sexual” para outra. Quem pensa o contrário tem, quem sabe, problemas com sua própria orientação sexual. Ou padece, apenas, da doença do preconceito. 

Infelizmente, a Família vem desmoronando há várias décadas, por outros motivos, se diga. A revolução industrial pariu o consumismo, criando necessidades onde não as havia e conseqüentes tensões, que antes não existiam. A mulher,  mãe, dona de casa e principal educadora dos filhos, deixou o lar e entrou no insaciável mercado de trabalho onde iria  competir com seu marido. As relações do casal  se complicaram, as separações e os divórcios se tornaram moeda comum e a educação dos filhos foi para o brejo. O “casamento heterossexual” há muito está em crise. A família, também. E não se pode culpar o futuro por fatos passados.   

A lei espanhola, ao determinar que “o matrimônio terá os mesmos requisitos e efeitos quando ambos contraentes sejam do mesmo ou diferente sexo”, estende ainda o direito de adoção aos casais homossexuais. Nova onda de incompreensão, por parte dos preconceituosos, que dizem temer pela “adequada formação” das crianças assim adotadas. 

De novo, a análise de tais medos não resulta em concordância. Afinal, se a sexualidade (assumida mas não necessariamente havida)  dos pais heterossexuais  determinasse a dos filhos, não existiriam homossexuais no mundo. Noves fora, nada. O que vai determinar a boa formação de uma criança é o Caráter de quem a educar. E Caráter não rima nem é sinônimo de sexualidade, homo ou hetero.  Além do mais,  quase todas as crianças que aguardam a oportunidade de serem adotadas foram, em algum momento de suas vidas, vítimas de criminoso abandono por parte de seus pais biólogicos, em princípio "heterossexuais”. Leve-se em conta ainda que se os orfanatos do mundo inteiro estão cheios de crianças é porque os casais heterossexuais, tão mais numerosos que os homossexuais e, até agora, os únicos autorizados legalmente a oferecer um lar àquelas crianças, não o fizeram.Tais temores são, portanto, infundados e pouco recomendáveis por serem eivados da mais cínica hipocrisia.   

Fala-se muito, nos meios preconceituosos, da “promiscuidade” dos homossexuais e “as conseqüências desastrosas para seus casamentos”. Que conseqüências? Separações, divórcios? Seria a promiscuidade sinônimo de homossexualidade? Não, não é. Os animais, entre eles os humanos, são geral e instintivamente promíscuos e buscam com isso aumentar  as chances de perpetuar sua própria herança genética ou, pelo menos, sentir prazer. Razões culturais – e não somente entre os humanos – criaram a bela idéia da fidelidade do casal.É de se esperar  que ocorra infidelidade entre casais do mesmo sexo biológico. Não será, entretanto, em maior número do que entre seus congêneres heterossexuais.  

Além disso, o preconceito é o principal motivo da promiscuidade entre homossexuais que, por não poderem assumir uma relação estável com seus parceiros ou parceiras – o que os deixaria expostos ao linchamento dos preconceituosos – buscam satisfazer seus desejos naturais com diferentes pessoas, desconhecidas às vezes. Com o reconhecimento legal de sua união, a promiscuidade diminuirá e há de trazer, como grata conseqüência, a diminuição do contágio de doenças sexualmente transmissíveis, entre as quais a aids. 

Que o belo exemplo da Espanha seja seguido por todos os outros países! 

(Barcelona, 3.7.2005)

 

 

Ser feliz, tanto quanto um direito, é um dever de cada um. Esse sentimento de serena alegria que aquece  carinhosamente  a alma de quem o alcança resulta, como tudo na Vida, de causas específicas, talvez mensuráveis. 

Seria possível estabelecer, então, uma equação que revelasse o mecanismo da Felicidade?  Quem sabe poderia ser assim: 

F = I x A

      E 

onde “I” seria a individualidade, as características do sujeito; “A” representaria suas ações, atitudes e, “E”, suas expectativas na Vida.. 

Cada um de nós é um universo único, agindo e reagindo de forma singular, de acordo com nossas virtudes, defeitos, conhecimentos.

De forma nem sempre consciente,  interagimos no meio em que vivemos. Cada uma de nossas ações ou reações terá sempre conseqüências para outros e para nós mesmos. 

“Quem” nós somos, como pensamos e atuamos, são representados na equação como os fatores “I” e “A” que resultam ter um caráter multiplicador, entre os dois. 

Quem semeia seus grãos no campo, tem o direito de esperar que germinem. Seria sábio, no entanto, quem  de todos esperasse colher? A Vida ensina que não. Quanto maiores forem nossas expectativas, assim serão nossas desilusões, celeiro de tristezas. Por isso, é preciso cuidar de que o fator “E” seja, sempre o menor possível sem, no entanto, resvalar para o pessimismo. 

É fundamental, para quem quer ser feliz, tentar encontrar a Felicidade em sua busca, mais no  plantio das sementes e menos na colheita de seus frutos, mais na alegria do caminho e menos na satisfação do chegar. 

O dever de ser feliz resulta do entendimento de que colhemos quase sempre, à nossa volta, o que plantamos ao nosso redor. Além do mais, tanto quanto a não-felicidade,  a Felicidade contagia e, como se fosse um vírus, tem potencial pandêmico.  

Nós a encontraremos, mais facilmente, na mão que usarmos para oferecê-la. 

(Barcelona, 12.6.2005)