A natureza humana não é somente boa. A natureza humana é também má, muito má. O pior depredador do planeta, o que mata e destrói por puro prazer, o que mais espécies eliminou definitivamente da face da Terra não é outro senão o ser humano.

A premissa, embora chocante, é indispensável para que se possa tentar encontrar defesas contra o mais perigoso inimigo do homem: ele mesmo.

Afinal, comporta-se a espécie como um primata que, sentado sobre galho alto de uma árvore, serra o galho na parte entre ele e o tronco. Além de pouco inteligente, suicida. O aquecimento da atmosfera provocado pela voraz e má utilização dos recursos naturais, já começa a dar os resultados previsíveis e assustadores.

Presunçoso, inventou uma história de que somente ele teria sido feito “à imagem e semelhança do Criador”, ignorando todas as evidências lógicas em contrário, que apontam para o conjunto da Criação. Esse gosto pela ilusão pode custar caro, muito caro à humanidade. 

Admitir a existência do mal, saber-se hospedeiro e vítima dele, compreender sua natureza e, finalmente, ser capaz de buscar a necessária cura, tais são os passos a serem dados, se queremos realmente um destino melhor do que se vislumbra, no horizonte. 

Somente a descoberta da virtude tão exaltada quanto incomum, que é a Humildade, há de permitir ao homem redefinir suas metas, seus objetivos e percorrer novos caminhos, que não o levem à inevitável destruição. 

A imagem nos noticiários dos últimos dias, de centenas de pessoas atirando-se sobre o arame farpado da fronteira inventada pelos humanos em Melilla, enclave espanhol em território africano, é bem o retrato das conseqüências desastrosas das atitudes dos governos envolvidos e o retrato, frio e sem retoques, da natureza humana.

Muitas daquelas desesperadas criaturas tentam escapar à fome, à guerra, à perseguição. Outras, apenas buscam a chance de ter um trabalho melhor que lhes permita dar às suas famílias a dignidade que merecem. Atrapadas no arame que rasga suas carnes, algumas assassinadas friamente, seus gritos de dor deveriam ecoar em todos lugares do mundo, nas escolas, universidades, fábricas e lares. 

É preciso buscar a humanização dos seres chamados humanos, ou estaremos condenados à autofagia. É preciso redefinir o Homem como animal depredador, egoísta, insaciável. Talvez assim consigamos reconhecer a necessidade inadiável de controlar nossa índole e, pouco a pouco, dar tempo à evolução, mudança para melhor. 

 

(Barcelona, 9.10.2005)

 

 

Um dos sentimentos mais primitivos, mais arraigados na alma, é o medo de estar só, de sentir-se abandonado, isolado, esquecido pelos seres queridos. Terá a ver, em parte e com certeza, com o medo da morte e a idéia do desconhecido que ela encerra. 

Talvez por isso seja tão importante compreender, conhecer, aprender a conviver com o fato de que, vez por outra, por curtos ou longos períodos, somos obrigados a receber a visita da solidão. 

É preciso reconhecer, ademais, os benefícios que ela pode trazer para o amadurecimento de quem a sente. Afinal, é o espaço e tempo ideal para se estar com a pessoa mais importante em nossas vidas: nós mesmos. 

Se alguém não é capaz de conviver consigo mesmo, será muito menos capaz de conviver com outros. A imensa dificuldade de aceitar o encontro com a própria alma e suas imperfeições explica, muitas vezes, o medo da solidão. No entanto, sem esse encontro, não nos conhecemos de verdade. E sem que eu me conheça, quem há de  me conhecer?

A solidão não deve servir nunca de pretexto para exigir a presença de quem  gostamos. Deve ser, isso sim, uma oportunidade para quem gosta da gente nos visitar. 

Ela é o momento apropriado para  cultivar, em nossos corações, a beleza dos sentimentos. São eles que atrairão, como o néctar da flor atrai os colibris, os verdadeiros amigos. 

E até quando eles não venham, será sempre da flor a felicidade de saber-se pronta para eles.

 

(Barcelona, 24.7.2005)