O SEGREDO DA FOLHA DE TAIOBA
E
O TESOURO GUARDADO
EM
MARQUÊS DE VALENÇA.
Recebi em Barcelona, há algumas semanas, a visita de um dos filhos de uma das minhas amigas de infância, de um tempo, há meio século atrás, quando Marquês de Valença ainda era assim chamada.
Jamais havia sequer falado com o jovem. Bastou-me, entretanto, que se anunciasse. Abri-lhe as portas de minha casa e de meu coração. Disse-lhe, e à sua Mãe, que ele tinha consigo a chave necessária para tanto: o nome de quem o havia trazido ao mundo.
Passava por Barcelona, vindo do Caminho de Santiago. Hospedou-se em mim e, enquanto o fez, honrou seus Pais e minha amizade por sua Mãe. Para minha alegria, os poucos dias de planejada permanência transformaram-se em algumas semanas. Durante esse tempo, tivemos oportunidade de conversar muito, trocar idéias, escutar músicas (ama e conhece os clássicos e a melhor música popular brasileira), conhecer-nos.
Impressionado com a natureza mansa, sensibilidade e educação que demonstrou ter, dediquei-me a buscar descobrir até onde e quanto o jovem amigo conhecia os mistérios do bem viver, tão pouco considerados hoje em dia, me parece.
Numa das tardes de outono mediterrâneo, na varanda de meu apartamento, admirávamos e falávamos das belezas que a Natureza oferece, sem cessar, aos que vivem. Coloquei-o à prova, perguntando-lhe o que acontecia com a água, no sítio ou fazenda, colhida na folha da verde e acetinada taioba que, quase sempre, emoldura a fonte. Não titubeou: "Transforma-se em prata!", disse, para minha admiração. Quando partiu, levou consigo - por mérito próprio - o direito de voltar.
Não são muitos - infelizmente - os que conhecem o segredo da folha de taioba, quando serve de cálice à água da fonte. É preciso Sensibilidade para ver o milagre acontecer, tanto quanto é necessária Sabedoria para guardar, na memória, o que foi visto.
A água que vira prata é um segredo para muitos. A Sensibilidade e a Sabedoria são o tesouro bem guardado (um deles) de um tempo quando eu era criança, em Marquês de Valença.
(Barcelona, 8.10.2004)
AS MUITAS FACES DO TERROR
A palavra que ofende, o gesto que agride, a mão que fere; o direito negado, a expressão proibida, o passo tolhido; a escola sem portas, o livro de preço inacessível, o prato vazio; o preconceito de cor, de raça, de sexualidade, de religião, de status social; o filho assassinado, a casa demolida, o futuro recusado. As faces do terror são tantas quantas são as faces do homem. Pode ser a do ódio que destrói e mata num momento, mas pode ser também a da indiferença e do desprezo, que alcançam os mesmos objetivos, com pouco mais de tempo.
A hipocrisia não conhece limites, se busca prevalecer. Assim, quando lhe interessa, transforma a vítima em algoz e o algoz, em vítima. Sem vergonha alguma, manipula palavras como se tecendo o Bem, resultando, de seu discurso, o previsível Mal. Supera-se, o hipócrita, quando usa o medo ao terror como arma para aterrorizar, obtendo, desta forma, apoio aos seus objetivos nefastos. Atente bem, quem escutá-lo: suas palavras parecem justas, mas seus objetivos não são!
Vivemos uma época difícil, embora tempo algum tenha sido fácil, se lembrarmos bem. O número de problemas com que nos defrontamos nunca foi tão grande, certamente porque jamais fomos tantos, os humanos sobre o planeta. Tomamos conhecimento das misérias e tragédias em escala nunca antes imaginada, porque jamais tivemos acesso tão imediato e global sobre o que acontece aqui, ali e mais além. E sofremos, ou não, com o saber do que se passa.
Como reagir? O que "eu" devo fazer, para evitar tamanha desgraça, para mudar o que parece ser a terrível vocação do homem para o flagelo, o sofrimento? Tenho, uma pessoa apenas, uma voz somente, poder para alterar o que seja, para melhorar o mundo, para combater o terror?
Assim como o imenso deserto é a soma de todos seus pequenos grãos de areia. o "grande terror" não passa da soma de todos os pequenos terrores que habitam os corações e mentes. Portanto, se realmente queremos mudar o destino do homem, podemos fazê-lo, cada um de nós, em nossa aparente insignificância. Basta que tenhamos o cuidado de oferecer aos outros, o que queremos encontrar nos outros: Paz, Respeito, Solidariedade.
(Barcelona, 8.10.2004)