REENCONTRO
Gosto de você, mas tanto
que não sei dizer quanto, nem por quê!
É um gostar sem começo, velho de séculos, quem sabe?
Macio, aveludado, do azul-veludo que veste o céu,
nas noites semi-enluaradas dos sábados de inverno.
É um doce gostar por ter sido,
e amargo pela impossibilidade de voltar a ser.
(Valença, 17.1.1979)
POEMA DOS LOUCOS NORMAIS
Mergulhei na poesia do nada,
onde tudo é o inverso de ser,
carregando comigo a semente do hoje
e a criança parida agora em meus olhos.
Meu corpo já vai rio adentro
e meus pulmões, cheios de lodo da vida,
se recusam oxigenar meus sonhos,
que queriam tanto funcionar.
Pitágoras? Pitombas!
O pensar morrer, o querer morre, o esperançar morre
e eu não me esperanço mais,
certo de que a vida é apenas o sonho da morte,
o único funcionável.
Assim, vivo o que é, o que não devia ser:
a indiferença que une as pessoas,
o carinho que as separa,
a fome das mãos magras de esmolas,
a violência dos olhos duros,
o ódio mal vestido de amor.
A semente treme em seu íntimo
e seu estremecer me envolve,
inventa lágrimas de ternura e balbucia um sonho novo
que me enternece ainda uma vez e me faz querer ser louco,
inteiramente anormal, já que a normalidade da loucura
me fez igual a mim mesmo, o que não me alimentou.
Pelo contrário, me dá medo, muito medo.
A semente e a criança me propõem
a absoluta loucura de amar, de ser feliz,
de ser amigo de meu pai, que é meu irmão,
pai de meu irmão, de quem sou amigo,
irmão do meu amigo, que é meu pai,
amigo do meu irmão, que é meu filho,
irmão de meu pai, que é meu amigo
e pai de meu amigo, de quem sou irmão.
Mas meu corpo já vai rio adentro,
o que me transforma, talvez, em um suicida a mais,
apenas um louco normal.
(Beirute, 16.3.1979)