A adoração ao bezerro de ouro do consumismo pagão cresceu no rastro poluente da revolução industrial. E lá se foram pelo ralo da história os frágeis valores espirituais da existência que ainda teimavam resistir.
O homem deixou de consumir para viver, passando a viver para consumir. As "forças de mercado" inventaram necessidades onde elas não existiam, criaram neuroses onde havia equilíbrio, resultando desejo onde havia satisfação.
Pai e Mãe, em seus respectivos principais papéis de provedor e educadora, pilares do edifício chamado Família - onde se abrigavam e aos filhos - viram-se na contingência de, o primeiro, reconhecer-se incapaz de, sozinho, pagar as contas das tais necessidades e, a segunda, de deixar o lar para trabalhar por serviço remunerado. E Belzebu sorriu... ele e seus 44.435.536 demônios!
A mulher, conquistando há algumas décadas seus direitos à educação, ao voto e à profissionalização, promoveu a revolução feminista. Sucesso relativo já que, se por um lado é inegável a justiça dos direitos que adquiriu, houve conseqüências nefastas pelo uso atabalhoado das então descobertas prerrogativas.
Conquanto a mulher tenha - mais ainda que direito - o dever de educar-se, votar e trabalhar onde e para quem bem entenda, a maternidade jamais deveria ter sido relegada a segundo plano, como foi. Os resultados, cruelmente visíveis, têm sido a derrocada da Família, o abandono dos filhos à própria sorte (desdita) e a infelicidade profunda de todos os seus integrantes. Valeu a pena?
Toda mulher, ao decidir constituir Família, deveria a esta dedicar-se, em tempo integral. Seu afastamento do trabalho assalariado teria ainda desdobramentos benéficos sobre a renda familiar. Com oferta maior de empregos, seu marido teria acesso a salários melhores e, desnecessário dizer, a presença novamente da mulher em casa resultaria em redução de despesas para a Família.
A maternidade e suas responsabilidades domésticas não são apenas tarefas difíceis. São, acima de tudo, a missão mais importante e digna que poderia ser atribuída a um ser humano pois depende de seu sucesso o futuro da humanidade. Ser Mãe e educar seus filhos torna a mulher criatura mais próxima de Deus do que do homem.
Os jovens, eles próprios, têm reconhecido que o que mais tem prejudicado sua formação é a falta de orientação no lar. Deveríamos nós, os adultos, reconhecer que tomamos uma trilha errada e que precisamos voltar ao bom caminho que deixamos, lá atrás? Talvez seja uma insensatez afirmar que "esta é a família moderna" e que "não há como voltar ao passado" pois isto equivaleria dizer que, se alguém toma uma estrada errada, dolorosa e que leva ao precipício, nada há a fazer senão prosseguir, teimosamente, rumo à queda final. Errar é um direito, Insistir no erro, não.
(Barcelona, 12.02.2005)
Do sânscrito "Karman", carma designa a correlação de causa e efeito no destino da alma: o que fazemos hoje terá conseqüências em nossas vidas, mais cedo ou mais tarde, nesta ou em próxima reencarnação.
A idéia do livre-arbítrio, por sua vez, traduz a crença de que o Criador atribui-nos o direito de decidir sobre nossas ações no dia a dia. Entre os persas, Zaratustra ensinou que Deus (Ahura Mazda) criara Ahriman, o espírito do Mal para, com seu oposto Ohrmazd, o espírito do Bem, permitir aos homens escolher entre um e outro. No Ocidente, o Mal é personificado por Lúcifer, outrora anjo do Bem que se rebelara contra o Criador.
Assim, entendem uns, se somos felizes ou não é porque certamente fizemos por merecer a graça ou a desdita, ao agir desta ou daquela maneira, à nossa escolha. Acontece que, na maioria das vezes, o mal que nos atinge tem origem clara e conhecida: as ações de outras pessoas. Dessa forma, tentam explicar alguns, se somos hoje vítimas de alguém é porque, em alguma ocasião, fomos algozes daquela ou de outra pessoa. Ou seja, a criatura que agora nos faz mal estaria, em verdade, cumprindo um determinismo cármico e, sob certo olhar, fazendo-nos até o bem, dando-nos a chance de resgatar dívidas e aprender, com o sofrimento, a não causá-lo a outrem. E se nos fez o bem, não pode ter feito o mal, pois tais coisas se excluem. Ou não?
De qualquer modo, estaria criada a necessidade de existir alguém que fizesse o mal - aparente ou não - para que sua vítima passasse, pela dor, a merecer o bem. Independeria portanto, do livre arbítrio dos seres, cometer erros ou produzir acertos já que tais atitudes seriam conseqüência da premissa maior sobre a qual não teriam tido poder de mando, este atribuição do Criador.
Posto assim, a concepção de "carma" excluiria a possibilidade da existência do livre-arbítrio. Intrigante, no entanto, a idéia de que, sem que existisse o direito de errar, de onde resultaria o dever de pagar pelo erro? Ou seja, o exercício do livre-arbítrio seria a origem do carma? Se não for, tanto o sofrimento quanto a felicidade seriam apenas cruéis ou benéficas manifestações da natureza animal, excluída até mesmo a interferência do Criador e, talvez, sua própria existência?
(Bangkok, Tailândia, 4.10.2000)