Uma de minhas trinta e duas Pentavós nasceu, no século XVIII, livre, orgulhosa e feliz, em Mama África! Lá, foi seqüestrada em seu Congo natal e levada para o Brasil, como escrava. Dela nasceu Izabel, "fidalga de sangue azul, da raça de S. João del Rey" (Leoni Iório, Valença de Ontem e de Hoje), de quem nasceu Floriana, de quem nasceu Rozina, filha de Manoel Jacinto Carneiro Nogueira da Gama, Barão de Juparanã; de quem nasceu Anna, filha de Belchior Mariano dos Santos; de quem nasceu Nahir, filha de Miguel Monteiro; de quem nasci, filho de Walter Alves Nogueira.

Dos escravizados, roubavam quase tudo: a Liberdade, o Lar, a Família. Roubavam-lhes até mesmo os nomes, sonoros e antigos sons africanos, cheios de poesia e valor. Atribuíam-lhes, os que os terrorizavam, prenomes europeus, chamados "cristãos". Roubavam-lhes quase tudo, menos o sonho de serem novamente livres, e a saudade dos pais, irmãos, filhos arrancados dos braços desesperados de suas mães! Não se pode roubar o que se guarda bem, no coração.

O verdadeiro nome da Mãe de Izabel perdeu-se no tempo, no descaso, na vergonha que se teve - paradoxalmente - de descender das vítimas da escravidão, e não dos criminosos que a cometeram. Ofensa aos próprios antepassados, já que, se um dia o preconceito pareceu fruto da ignorância, hoje não passa do que sempre foi e será: maldade e burrice. Afinal, a ciência provou que descendemos, os humanos - negros, vermelhos, amarelos e brancos - de uma pequena tribo, no sul da África. Somos, todos, Africanos. Alguns, menos negros, por desbotamento.

Por isso, abro as portas do Templo da Memória: para dizer, bem alto e com orgulho, o nome da Mãe de Izabel! Na pia batismal da saudade e do respeito por ela e por todos os meus antepassados, eu a batizo com a água e o sal de suas muitas lágrimas, e lhe restituo o nome de Simba de Bakongo, ("a Leoa de Bakongo", em Swahili, idioma Bantu, também falado no Congo), forte, livre, altaneira.

"Jambo, jambo, Bakongo Simba! Barikie mimi!" ("Salve, salve, Simba de Bakongo! Dê-me sua benção")! Cantem, felizes, os pássaros nas matas! Corram livres, pelas savanas, os animais da terra, e festejem a Vida, os rios fartos do Congo! Mbwa, pai de Tembo e pentaneto de Simba, da Nação Bakongo, a encontrou!

Barcelona, 25 de setembro de 2004.

 

 

A cidade onde nasci tem em seu nome "Marquês", a lembrar da nobreza de seus habitantes, quem sabe.

Ou, pelo menos foi assim durante um bom tempo, até que, há algumas décadas,  descuidados políticos tiveram a triste idéia de reduzir seu nome  a "Valença", jogando-a de novo no mesmo saco onde se encontram outras "Valenças", da Bahia e do Piauí. Como se fosse errado ou feio ter um nome próprio e não alheio, como se não fosse bom ou útil. Francamente!

Ainda bem que o dicionário Aurélio define "valenciano", também como "o natural, pertencente ou relativo a Marquês de Valença-RJ". E eu não vou discutir com o Aurélio...

É preciso reconstruir nossa cidade, é necessário recuperá-la, repensar nosso presente e futuro! Não temos o direito, os valencianos, de deixar perder de vez a riqueza de mais de dois séculos de história. Temos, sim, o dever de resgatar o passado bonito de nossa gente, de nossas ruas, de nossas casas, devolvendo ao nosso povo a esperança de dias melhores, a certeza de sua segurança, a satisfação de participar de seu crescimento e a alegria de ver tudo isso acontecer.

O futuro será, como sempre foi, filho único do passado, que agora chamamos "presente". Se queremos para nossos filhos, netos, bisnetos e descendentes, um lugar do qual se orgulhem, temos que iniciar, o quanto antes, o trabalho sério, urgente, difícil mas digno e gratificante, de fazer renascer nossa Marquês de Valença.

E devemos começar pelo seu nome, exigindo das autoridades competentes, sua restauração. Ao mesmo tempo, organizaremos uma ONG (que poderia se chamar, de propósito, "Renascer de Marquês de Valença"), com o objetivo de reunir todos os valencianos - os ali nascidos ou os que de nossa terra se encantaram, e por ela foram adotados, como verdadeiros filhos - e dispostos a pensar e fazer o que for necessário para a recuperação e progresso de nossa cidade.

Há muito a ser feito mas, a cada passo dado, restará um passo a menos.

                          Barcelona, 18 de setembro de 2004.

 
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