Nascemos com a nascente do rio chamado Vida e seu percurso é nosso caminho pela existência. Em pequenos riachos ou grandes correntes, a cada um de nós cabe o destino de seguir com as águas, mansas geralmente na infância,  ousadas na adolescência, turbulentas na maturidade e,  quanto mais se aproximam do grande mar da Morte, de sua inexorável foz, novamente mansas.

Há duas distintas maneiras de se viver o rio: uma delas é permanecer todo o tempo nas águas rasas de suas margens e deixar que elas nos levem, sem grandes riscos ou medos mas também sem emoções maiores, sem respostas que nos permitam compreender seus segredos; essa é a opção dos fracos, dos frágeis, dos acomodados.  

A outra é buscar o centro do rio, onde as águas são profundas, rápidas e perigosas. Lá, mergulhar vez por outra e conhecer seu leito, aprendendo assim,  em seus trechos turvos ou límpidos,  a conviver com as dores e as  alegrias que lhe são inerentes. Mais ainda, nadar de quando em quando contra a corrente e descobrir, dessa maneira, a verdadeira força das águas,  seus mistérios. 

Ora, dirá, para que tudo isso? Por que se arriscar se, no final, chegaremos todos igualmente à inescapável foz, os bravos e os covardes? Eu lhe direi: no final da vida o que verdadeiramente importa é saber como se viveu, ter consciência de que se percorreu os caminhos do rio de forma tão apaixonada quanto possível,  malgrados os riscos, apesar dos medos!  

A Vida só terá valido a pena se foi bem vivida, se foi intensa, se foi verdadeira. É preciso ousar fazer perguntas e aprender a aceitar a leveza ou o peso das respostas; é preciso mergulhar nas pessoas para sabê-las, de verdade. Muitas vezes descobriremos que, por baixo das aparências, a realidade é outra e nem sempre agradável. Melhor, no entanto, ter os pés sobre o chão duro da verdade do que no macio lodo dos pantanais da ilusão. 

O destino das águas é o mar e de lá voltarão em forma de chuva que fecundará novamente a terra, transformando-se em novo riacho, em novo rio. Também as vidas não se perdem ao chegar a morte e de lá regressam, em novas nascentes. Voltam sempre mais fortes e seguras de si mesmas, se souberam viver bem a vida que passou, se conheceram a fundo o rio por que passaram. 

 

( Barcelona, 11.9.2005)

 

 

Em todo coração há duas taças: uma vazia e a outra, cheia. A que está vazia deve estar sempre disponível para o melhor vinho que um amigo possa oferecer. A que estiver cheia deve conter sempre o vinho melhor que se tenha a oferecer a um amigo. 

Em todo coração existem duas mãos: uma sempre disposta a estender a taça vazia ao amigo que oferece o vinho e, a outra, estendendo ao amigo a taça cheia do vinho que queremos ofertar. 

Em todo coração há dois olhos: um sempre aberto aos gestos às vezes tímidos dos amigos que desejam compartir suas almas e, o outro, cuidando sempre de perceber as necessidades de afeto e compreensão dos amigos. 

Em todo coração há duas razões: uma que diz que estamos certos e outra que quem está certo é o amigo que discorda da gente. 

Em todo coração há dois momentos: um em que se deve visitar o silêncio do encontro com a gente mesmo e o outro, em que todas as atenções devem estar voltadas para o encontro com os amigos. 

Em todo coração há uma história que tem sempre dois finais possíveis: um feliz pela certeza de que todo o caminho percorrido foi o da oferta e outro, triste por insaciado de amor. 

(Barcelona, 27.10.2005)

 
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