A palavra que ofende, o gesto que agride, a mão que fere; o direito negado, a expressão proibida, o passo tolhido; a escola sem portas, o livro de preço inacessível, o prato vazio; o preconceito de cor, de raça, de sexualidade, de religião, de status social; o filho assassinado, a casa demolida, o futuro recusado. As faces do terror são tantas quantas são as faces do homem. Pode ser a do ódio que destrói e mata num momento, mas pode ser também a da indiferença e do desprezo, que alcançam os mesmos objetivos, com pouco mais de tempo.

A hipocrisia não conhece limites, se busca prevalecer. Assim, quando lhe interessa, transforma a vítima em algoz e o algoz, em vítima. Sem vergonha alguma, manipula palavras como se tecendo o Bem, resultando, de seu discurso, o previsível Mal. Supera-se, o hipócrita, quando usa o medo ao terror como arma para aterrorizar, obtendo, desta forma, apoio aos seus objetivos nefastos. Atente bem, quem escutá-lo: suas palavras parecem justas, mas seus objetivos não são!

Vivemos uma época difícil, embora tempo algum tenha sido fácil, se lembrarmos bem. O número de problemas com que nos defrontamos nunca foi tão grande, certamente porque jamais fomos tantos, os humanos sobre o planeta. Tomamos conhecimento das misérias e tragédias em escala nunca antes imaginada, porque jamais tivemos acesso tão imediato e global sobre o que acontece aqui, ali e mais além. E sofremos, ou não, com o saber do que se passa.

Como reagir? O que "eu" devo fazer, para evitar tamanha desgraça, para mudar o que parece ser a terrível vocação do homem para o flagelo, o sofrimento? Tenho, uma pessoa apenas, uma voz somente, poder para alterar o que seja, para melhorar o mundo, para combater o terror?

Assim como o imenso deserto é a soma de todos seus pequenos grãos de areia. o "grande terror" não passa da soma de todos os pequenos terrores que habitam os corações e mentes. Portanto, se realmente queremos mudar o destino do homem, podemos fazê-lo, cada um de nós, em nossa aparente insignificância. Basta que tenhamos o cuidado de oferecer aos outros, o que queremos encontrar nos outros: Paz, Respeito, Solidariedade.

Barcelona, 8 de outubro de 2004.

 

 

Se Deus existe e é o Criador de todas as coisas, todas as coisas "são' porque foram criadas, e Deus não "é", por não ter sido. "Ser" expressaria qualidade ou atributo de suas criaturas, somente.

Não sendo, escaparia às leis da Física, que regem apenas o que é. Qualquer tentativa de defini-Lo, medi-Lo, pesá-Lo ou mesmo imaginá-Lo seria, por conseqüência, inútil. Querer compreendê-Lo resultaria, também, inconseqüente e só menos tolo do que tentar explicá-Lo, utilizando o racional do Homem, recursos filosóficos ao seu alcance.

Revela-se a não necessidade de "ser" para "existir" e a idéia de que a Existência transcenderia à Vida - como a conhecemos -  estaria além de todos os parâmetros estabelecidos pelo Conhecimento.

Resulta, ainda, do mesmo pensar, a obrigação de reavaliar nosso relacionamento - enquanto criaturas - com o Criador, colocando sob a luz deste enfoque, os mecanismos adotados pelo Homem para explicar "Deus" a si mesmo: as religiões.

As instituições religiosas são, por vocação e interesse, agrupadoras de indivíduos, mas nenhuma delas conseguirá oferecer solução igual para os problemas de mais de um fiel. Simplesmente porque nenhum fiel é igual a outro e, portanto, cada um deles tem necessidades espirituais diferentes. O verdadeiro encontro com Deus, pelo Homem, seria sempre individual e jamais coletivo.

Tudo indica que o Templo Maior não é feito de pedras, madeira, cimento, mármore e ouro. Existiria no interior de cada Ser e, para descobri-lo, seria obrigatória a viagem para dentro de si mesmo, até onde uma pequena chama de Compreensão ilumina, suavemente, um Portal. Além desse ponto, em meditação e absoluta paz, espera o Ancião, Zelador da Memória e Senhor do Farol. Sábio, ensina apenas o que o aluno está apto a aprender. Nem mais, nem menos.

De uma dessas visitas, trouxe comigo as palavras com que o "meu" Ancião - pois que cada um tem o seu - se referiu Ao Que Existe: "Quando Deus pensa, o faz através da Matemática; quando fala, utiliza a Música; quando sente, o Amor; quando sonha, a Esperança; quando acorda, a Luz das Estrelas; quando respira, a Vida! Algumas vezes, penso que, se Ele pudesse esquecer que é Deus, lembraria o Homem. Felizmente, Ele nunca esquece." Nada mais disse, nem lhe perguntei, naquela vez.

                                 Barcelona, 2 de outubro de 2004

 

 
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