Na estória ouvida há mais de quarenta anos, um homem que buscava a Pedra Mágica - que tudo transformaria em ouro, ao seu toque - a teve nas mãos e, sem se dar conta disso, a jogou fora, cego que se tornara pela obsessão em achá-la.

Ouvi e guardei bem a lição ensinada. Na busca dos meus sonhos, nos caminhos - tantos - que percorri desde então, tomei cuidado para que o mesmo não acontecesse comigo. Coração e mente atentos permitiram-me descobrir e guardar, com zelo, este verdadeiro tesouro.

Cada pessoa busca na Vida a riqueza que acredita a fará feliz. Para uns, a Fortuna  está no ouro, dinheiro, posses. Outros parecem crer que o Poder e a Fama transformarão para sempre suas existências em sonhos dourados.

Há, finalmente, os que garimpam nos livros e nas pessoas o Conhecimento e a Compreensão, seguros de que só não se pode perder o que não se pode tocar.

Em verdade, a cada um cabe sua Pedra Filosofal, já que a Felicidade é a de cada um. A minha, eu a descubro, a cada momento, no garimpo de mim mesmo, das pessoas e dos livros, aprendendo com suas histórias, estórias e experiências, compreendendo, finalmente, que cada instante, encontro, sorriso ou lágrima guarda, em si, uma centelha da Pedra Mágica.

A Consciência de que cada momento da Vida traz consigo a possibilidade de nos fazer felizes, dependendo de como seja tocado por nossos corações e mentes, esta é a "minha" Pedra Filosofal.

(Barcelona, 1.6.2003)

 

 

Que inventamos uma sociedade onde o consumo deixou de ser meio para ser fim, não se discute mais. Que o materialismo disso resultante e todas suas perversas conseqüências solaparam as frágeis bases do espiritualismo no homem, também não. Mas tudo tem limite!

Até quanto vamos assistir impassíveis ao apodrecimento progressivo dos valores duramente descobertos e cultivados em milênios de lenta e dolorosa evolução?

Houve tempo em que até mesmo os mais convictos ateus davam graças a Deus aqui e ali em suas vidas. Não mais. As religiões, cultos e seitas se multiplicam. Afinal, sempre foram um bom negócio, um grande e lucrativo negócio e, enquanto instituições, não fariam grande falta à humanidade. O que está em extinção, desgraçadamente, é a religiosidade, o espírito religioso, a consciência do tempo sagrado que cada um carrega dentro de si.

Isto se reflete, com grandes prejuízos, em tudo: nas relações humanas, na arte, na ciência, na política, no dia a dia de cada um e de todos, nas pequenas e grandes comunidades.

O que assusta, e com razão, é o fato de que cada vez mais, menos pessoas se rebelam, contestam, reclamam quando os adoradores do bezerro de ouro do materialismo regurgitam seus cantos horrorosos, suas obras capengas, seus textos sem sentido, tudo bem dourado contudo, como se fosse ouro... O rebanho dos homens vai ficando cada vez mais quietinho, marchando resignadamente para o abatedouro do espírito.

Recentemente, decretaram que a alma dos animais passou a ser supérflua, senão inconveniente. Construíram em metal um robô-cachorro e, no altar do tal bezerro, puseram-no à venda como "o animal de estimação nos tempos modernos"! O que aconteceu? Uma correria de eunucos espirituais para comprar a novidade! Mas como?! Se a coisa não passa de uma coisa, sem "anima", como pode ser animal!? Como e por que ter afeto por um pedaço de metal com um programinha de computador que o faz apenas mover-se desajeitadamente? Recuso-me! E ainda fico ofendido pelo imenso carinho que ofereço e recebo de Mon Ami e Lady, cachorros meus amigos.

Mas não fica por aí, o absurdo! Nos últimos anos os cientistas têm desenvolvido a técnica da clonagem de animais. Não é que governos, pensadores e nem tanto têm ocupado jornais e revistas para discutir, com a maior seriedade, "os aspectos terríveis e perigosos do emprego daquela tecnologia para clonagem de seres humanos", alegando que "criminosos poderiam mandar fazer cópias deles mesmos"?

O terror - por outros motivos, justificados - que tomou conta da intelligentsia planetária se deve ao fato de partir da premissa - errada, ao meu ver - de que o homem seria o corpo que usa, este sim duplicável. Mas o homem não é o corpo que usa e sim o que usa o corpo. A alma é individual, única e eterna, residindo aí a grandeza da vida.

Podem "clonar" feios e bonitos, maus e bons, fortes e fracos. Os corpos resultantes serão muito parecidos (nem iguais serão) com suas matrizes. Mas eles serão todos diferentes no que de verdade importa: o caráter e personalidade.

Há, em minha opinião, duas restrições a serem feitas à clonagem de qualquer animal, humano ou não: primeira, a diversidade biogenética é, a longo prazo, fundamental para a sobrevivência e aprimoramento dos invólucros físicos das espécies; segunda, seria muito sem graça ter que conviver com dois ou vinte animais, humanos ou não, com a mesma cara, o mesmo corpo.

O que me assusta, acima de tudo, é o fato de não ter ouvido nenhuma voz de peso lembrar que se o materialismo matou o Espírito, este vai muito bem, obrigado. O que me consola? Que minha ignorância me ensurdece, às vezes.

(Bangkok, 22.9.2000)